Deus
ama a sua criatura, o homem; ama-o também na sua queda e não o abandona a si
mesmo. Ele ama até ao fim. Vai até ao fim com o seu amor, até ao extremo: desce
da sua glória divina. Depõe as vestes da sua glória divina e reveste-se com as
do servo. Desce até à extrema baixeza da nossa queda. Ajoelha-se diante de nós
e presta-nos o serviço do servo; lava os nossos pés sujos, para que possamos
ser admitidos à mesa de Deus, para que nos tornemos dignos de nos sentarmos à
sua mesa o que, por nós mesmos, nunca podemos nem devemos fazer.
Deus não é um Deus distante,
demasiado distante e grande para se ocupar das nossas insignificâncias. Deus desce e torna-se escravo, lava-nos os pés para que possamos
estar na sua mesa. Exprime-se nisto todo o mistério de Jesus Cristo.
Nisto se torna visível o que significa redenção. O banho no qual nos lava é o
seu amor pronto para enfrentar a morte. Só o amor tem aquela força purificadora
que nos tira a nossa impureza e nos eleva às alturas de Deus.
Ele é continuamente este amor que nos lava; nos sacramentos da purificação o
batismo e o sacramento da penitência Ele está continuamente ajoelhado diante
dos nossos pés e presta-nos o serviço do servo, o serviço da purificação,
torna-nos capazes de Deus. O seu amor é inexaurível, vai verdadeiramente até ao
fim.
“Vós
estais limpos, mas não todos”, diz o Senhor (Jo 13, 10).
Nesta frase revela-se o grande dom da purificação que Ele nos faz, porque
deseja estar à mesa juntamente conosco, deseja tornar-se o nosso alimento. “Mas
não todos” existe o obscuro mistério da recusa, que com a vicissitude de Judas
nos torna presentes e, precisamente na Quinta-Feira Santa, no dia em que Jesus
faz a oferenda de Si, nos deve fazer refletir. O amor do Senhor não conhece
limites, mas o homem pode pôr-lhe um limite.
“Vós estais limpos, mas não
todos”: o que é que torna o homem impuro? É
a recusa do amor, o não querer ser amado, o não amar. É a soberba que julga não
precisar de purificação alguma, que se fecha à bondade salvífica de Deus. É a
soberba que não quer confessar nem reconhecer que precisamos de purificação.
Em Judas vemos a natureza desta recusa ainda mais claramente. Ele avalia Jesus
segundo as categorias do poder e do sucesso: para ele só o poder e o sucesso
são realidades, o amor não conta. E ele é ávido: o dinheiro é mais importante
do que a comunhão com Jesus, mais importante do que Deus e o seu amor. E assim
torna-se também mentiroso, ambíguo e vira as costas à verdade; quem vive na
mentira perde o sentido da verdade suprema, de Deus. Desta forma ele
endurece-se, torna-se incapaz da conversão, da volta confiante do filho
pródigo, e deita fora a vida destruída.
“Vós estais limpos, mas não
todos”. Hoje, o Senhor admoesta-nos perante
aquela auto-suficiência que põe um limite ao seu amor ilimitado. Convida-nos a
imitar a sua humildade, a confiar-nos a ela, a deixar-nos “contagiar” por ela.
Convida-nos por muito desorientados que nos possamos sentir a voltar para casa
e a permitir que a sua bondade purificadora nos reanime e nos faça entrar na
comunhão da mesa com Ele, com o próprio Deus.
O Senhor limpa-nos da nossa indignidade com a força purificadora
da sua bondade. Lavar os pés uns aos outros significa sobretudo perdoar-nos
incansavelmente uns aos outros, recomeçar sempre de novo juntos, mesmo que
possa parecer inútil. Significa purificar-nos uns aos outros
suportando-nos mutuamente e aceitando ser suportados pelos outros;
purificar-nos uns aos outros doando-nos reciprocamente a força santificadora da
Palavra de Deus e introduzindo-nos no Sacramento do amor divino.
O
Senhor purifica-nos e, por isso, ousamos aceder à sua mesa. Peçamos-lhe que
conceda a todos nós a graça de podermos ser, um dia e para sempre, hóspedes do
eterno banquete nupcial.
Amém!